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Habib Selmi é um dos autores importantes da literatura contemporânea da Tunísia. Esta parece uma afirmação razoável, adequa-se a um texto como o que aqui se inicia, ninguém parece desconfiar dela e, no entanto, que conhecimentos possuo da literatura contemporânea da Tunísia para afirmações tão convictas? Quase nenhuns, esta é sobretudo uma suspeita, construída a partir da nota biográfica, de mais algumas informações que encontrei na internet e, principalmente, da leitura de A Vizinha Tunisiana, único romance publicado em português deste autor, um trabalho da editora brasileira Tabla. É possível que a minha suspeita seja correta, que a afirmação seja adequada, mas realmente indiscutível é o ínfimo acesso que possuímos em relação a literaturas como a da Tunísia, sobre a qual deveríamos saber bastante mais. Afinal, trata-se de um país do Mediterrâneo, uma das nossas grandes matrizes.

 

Assumida a ignorância, que é um excelente ponto de partida para nos lançarmos em direção ao conhecimento, vale a pena continuar a fazer perguntas: será a ficção o veículo adequado para recolhermos informação sobre uma cultura? Não creio que tenha de ser, mas pode ser. Vivemos tempos em que se exige demasiado absoluto das respostas. Os romances não têm todos de ser de determinada forma, a literatura não tem sempre de apresentar determinadas características. Encontrar informações sobre realidades específicas num romance pode ser pertinente em certos casos, essa é uma razão legítima para a leitura, não é pecado. Do mesmo modo, essa não é uma obrigação que se tenha de impor a qualquer romance. Um dado texto ficcional possui a liberdade de não refletir uma realidade existente. Esse atributo pode corresponder ou não, à proposta do texto, aos critérios que determina para si próprio. Um romance sobre a Tunísia tem de ser escrito por alguém que nasceu na Tunísia? Não tem de ser, mas pode ser e, da mesma forma, pode não ser. Terá mais legitimidade se for escrito por um natural desse país? Essa é uma questão aberta a debate. Pela minha parte, não creio que seja necessariamente assim, mas parece-me uma discussão interessante.

 

No caso de A Vizinha Tunisiana, para além das suas evidentes capacidades narrativas, trata-se de uma rara oportunidade de lermos sobre este país, sobre a sua perspetiva do mundo e, em específico, sobre a sua comunidade em Paris. Dado o pouco contacto, não me parece que essa seja uma qualidade despicienda desta leitura. Mais em concreto ainda, a descrição do vínculo entre um professor universitário e uma empregada doméstica, ambos tunisinos emigrados em Paris, fala-nos das gradações sociais desta comunidade, da forma como se relacionam entre si e com os franceses. Isso não invalida que, traduzido do original árabe por Felipe Benjamin Francisco, este seja também um romance sobre os jogos de poder nas relações entre duas pessoas, independentemente da sua nacionalidade, um romance sobre a emigração, todas as emigrações, sobre questões de muitos lugares e de muitos tempos, nomeadamente de aqui e de agora. Podia não ser específico, mas é, e isso não o impede de ser universal. Habib Selmi é um autor importante, tenho a certeza disso.

 

A Vizinha Tunisiana, Habib Selmi, tradução de Felipe Benjamin Francisco, Tabla, 2023

(Publicado no Jornal de Letras, em março de 2024, na coluna "Fiquei a pensar", onde JLP escreve sobre as suas leituras.)

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