Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Olho para o livro que me emprestaste
e que nunca devolvi. Também ele olha para mim.
Tem as marcas da tua leitura, certos vincos
no branco das páginas, manchas subtis e difusas
como nuvens, restos das tuas mãos ou do teu olhar.
Espero que não penses sobre mim o que penso
sobre as pessoas que nunca me devolveram
os livros que emprestei. O que pensarás tu
sobre mim? Nunca li o livro que me emprestaste,
preferi sempre imaginá-lo. Suponho que ainda
se sinta estrangeiro entre os meus livros,
mas agora é demasiado tarde para devolvê-lo,
há tanto tempo que não falamos, não sei
se ainda guardo o teu número de telefone.
O que pensarias se agora, a despropósito,
te quisesse devolver o livro? Havias de pensar
que queria alguma coisa. Sabes, fico com o teu
livro porque não quero nada. Provavelmente,
nunca te devolverei este livro, fará parte do
meu espólio, é a última ligação que temos.
José Luís Peixoto, in Regresso a Casa
O mais recente livro de poesia de José Luís Peixoto, está disponível aqui:
Regresso a Casa é o novo livro de poesia do José Luís Peixoto. Editado pela Quetzal, está já disponível nas livrarias portuguesas.
O autor falou deste regresso à poesia aqui:
https://www.rtp.pt/noticias/cultura/poesia-de-jose-luis-peixoto-esta-de-regresso-a-casa_a1251491
As edições brasileiras (Dublinense) e mexicana (Cuadrivio) estarão disponíveis em setembro.
Ao fim de doze anos, José Luís Peixoto está de volta à poesia com o novo livro Regresso a Casa.
Publicado em simultâneo em Portugal (Quetzal), Brasil (Dublinense) e México (Cuadrivio), está já disponível em pré-venda nas seguintes ligações:
Olhamo-nos nos olhos pela internet.
Eu transmito-te este domingo à tarde,
a voz do vizinho através da parede.
Tu transmites-me a distância que existe
depois do que consigo ver pela janela.
Durante a noite mudou a hora e, no entanto,
continuamos no tempo de ontem.
Como é raro este domingo, não podemos
garantir que amanhã seja segunda-feira.
O futuro perdeu-se no calendário, existe
depois do que conseguimos ver pela janela.
O futuro diz alguma coisa através da parede,
mas não entendemos as palavras.
Lavamos as mãos para evitar certas palavras.
E, mesmo assim, neste tempo raro, repara:
tu e eu estamos juntos neste verso.
O poema é como uma casa, tem paredes
e janelas, é habitado pelo presente.
Olhamo-nos nos olhos pela internet,
estamos verdadeiramente aqui.
O poema é como uma casa,
e a casa protege-nos.
José Luís Peixoto, 29 de Março de 2020
Alguns alunos da Escola EB 2,3 João Afonso, de Aveiro, escreveram variações sobre o poema "na hora de pôr a mesa".
Podem ser lidas aqui:
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.