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O lugar-comum repete que, hoje em dia, quase ninguém lê livros. O tom é sempre o mesmo e eu perco logo interesse na conversa, estou cansado de ouvi-la, sei como evolui: esse lamento avança por uma espiral de lamentos, transforma-se num longo eco de si próprio e desagua na conclusão inevitável de que o mundo está condenado, de que não há solução. 

 

Embalado por essa cantiga, o lugar-comum esquece-se de que nunca se leram tantos livros na história da humanidade. Vivemos precisamente no tempo em que se leem mais livros. O ser humano comunica com palavras há cerca de cem mil anos. A primeira vez que as escreveu foi há três mil e quinhentos anos, mais ou menos. Durante muitos séculos, copiados um a um, ou mesmo já impressos, os livros foram considerados um artigo de luxo, reservado a muito poucos. Foi apenas há décadas que se começou a perseguir o objetivo da alfabetização generalizada. Alguns de nós, entre os quais me incluo, carregam a memória de avós analfabetos, que nunca leram qualquer livro.

 

Neste preciso momento, enquanto estamos aqui, há milhares ou milhões de pessoas a ler livros no mundo. Não são a maioria, como nunca foram, mas fazem a diferença. 

 

O lugar-comum costuma afirmar que, hoje em dia, os livros já não têm influência nos grandes debates da atualidade social. E volta a enganar-se. As ideias contidas nos livros alastram pela sociedade através do contágio. Mesmo que de forma velada, as razões dos leitores têm enorme presença. Em primeiro lugar, porque nascem de uma fonte sólida. Os não-leitores, com a sua informação retirada de títulos da internet, frases avulsas daqui ou dali, capitulam perante reticências e onomatopeias, falta-lhes verbos, substantivos. Entre todos os adjetivos, apenas possuem “bom” e “mau”. Mesmo quando subtis, as vantagens dos leitores são inequívocas. 

 

Os jovens de hoje em dia não gostam de ler livros, afirma o lugar-comum. Logo depois, segue-se uma lista de outros defeitos dos jovens que, antes, eram muito melhores, o mundo está condenado, não há solução. Aquilo que falta averiguar é a natureza desse “antes”. Quando foi esse tempo idílico? Com frequência, as queixas de que os jovens não leem chegam de pessoas que leram um livro em 2009, parece que foi ontem. 

 

Como havemos de convencer os jovens a ler? Lançam-se em conjeturas que esbarram sempre no lugar-comum: a tecnologia. Quando eu era criança, as televisões eram a preto e branco, só tínhamos dois canais, as emissões começavam às 18h, dava meia-hora de desenhos animados por dia e, mesmo assim, a tecnologia já era culpada pela falta de leitura dos jovens.

 

O lugar-comum limita o pensamento. Quando se afirma que o mundo está condenado, que não há solução, está a condenar-se o mundo, não se lhe permite solução. Além disso, como se espera cativar para a leitura de livros com a repetição exaustiva de que, hoje em dia, quase ninguém lê livros?

 

Se querem convencer os vossos filhos a ler, comecem vocês a ler agora mesmo. Não precisam obrigar os vossos filhos a ler, não precisam de castigá-los se não lerem, não precisam sequer de falar do assunto, simplesmente abram um livro e leiam. Depois, quando esse acabar, procurem outro livro e leiam-no também. Desliguem o telemóvel, e leiam. 

 

Inevitavelmente, esse gesto trará resultados. Começará por transformar a vossa cabeça, até a maneira de respirar e, um dia, quando menos esperarem, hão de encontrar os vossos filhos a ler, exatamente da maneira que vocês leem, com a mesma generosidade, se for esse o caso. 

 

José Luís Peixoto

 

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