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A aldeia inteira estava entregue a uma velha.
Homens, mulheres e crianças saíram cedo
pela estrada de terra e pedras em que cheguei.
Supor que apanhava uma tribo nómada em casa,
eis a minha ingenuidade. A velha não desvia o olhar,
essa parece-lhe uma boa maneira de passar a manhã.
Meia dúzia de cães anestesiados, demasiado calor,
roupas a secar, já secas, atiradas sobre bambus,
montanhas a rodearem-nos de sons naturais.
Na cidade, contaram-me que os membros da tribo Mlabri
mudam de lugar assim que amarelecem as folhas
de bananeira que usam para cobrir os telhados.
Achei uma bela história, antropológica, mas a vida
não se compadece. Telhados cobertos por folhas de zinco
demoram bastante mais tempo a amarelecer.
As crianças estão na escola. Os homens e as mulheres
estão nas plantações de milho, deixaram casas desertas,
vestígios de fogueiras e pedaços de motorizadas.
A velha e eu formamos uma tribo inédita. Olhamos
um para o outro. Às vezes, passa uma brisa muito leve,
arrasta embalagens vazias de rebuçados e pó.
José Luís Peixoto, inédito
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