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A mãe que chovia é a primeira incursão de José Luís Peixoto pelo universo da literatura dedicada aos mais jovens: um livro belíssimo, com a sensibilidade de linguagem de um grande autor, que assume que escrever para crianças não equivale a simplificações, nem da história, nem do estilo, nem das potencialidades criativas da língua. 

 

Como sempre acontece com os textos que verdadeiramente podemos classificar de literatura, a simplicidade desta narrativa depressa se desenvolve em planos sucessivos de leitura, que ultrapassam a linearidade aparente da história narrada. E o grande desafio literário, notoriamente superado neste livro, é fazer com que a própria linguagem adquira a capacidade de contar os factos mais estranhos e inverosímeis, com tal naturalidade e sabedoria que provoca no leitor imediata superação de qualquer efeito de estranheza, embrenhando-se no universo da realidade e lógicas próprias do universo ficcional. 

 

O livro conta-nos a história de uma criança que é filha da chuva. E esta facto é dado simplesmente como adquirido, sem mais explicações, nas primeiras frases do texto: «Desde sempre que toda a gente lhe dizia que era filho da chuva». Segue-se depois o dissipar das dúvidas do leitor, se as houvesse, através da caracterização da criança, o protagonista sem nome, que vai crescendo ao longo destas páginas: «Mas esse rapaz esperto, composto por boa disposição e com a idade de mais ou menos, não precisava que lhe dissessem que era a sua mãe. Ele conhecia-a melhor do que os assuntos que conhecia mesmo bem.» A mãe chuva aparece como uma verdadeira mãe, que vai seguindo do alto as passadas do seu filho, mas como no mundo inteiro «só ela sabia chover», viajava muito e «no verão tinha de ir chover em países distantes». Ora o menino ia crescendo, cada vez mais aborrecido e revoltado com as ausências da mãe: «Nesse ano, antes do verão, o rapaz começou a ficar coitado.» A mãe teimava em ficar, mas o vento, pouco dado a conversas, empurrou-a para bem longe, de novo, obrigando-a a cumprir o seu ciclo sazonal. 

 

No final, o filho acaba por aceitar e, num discurso poético, ato de amor à sua mãe chuva, declara-lhe que compreendeu que sem ela «a palavra verdejante não existiria» e mostra-lhe como se apercebeu de que a mãe «chovia palavras sobre o mundo», inundando-o de amor. Assim, neste realismo mágico que reconhecíamos dos primeiros livros de José Luís Peixoto, não é só de um amor entre a mãe e filho que nos fala o livro, como também das angústias pelas, por vezes necessárias, separações, como também da própria natureza, suas necessidades intrínsecas. As ilustrações, de Daniel Silvestre da Silva, acompanham lindamente o dramatismo do texto, oscilando entre o registo realista, quase fotográfico, e uma tonalidade onírica que tão bem acentua a poeticidade do registo adoptado por José Luís Peixoto, neste livro.

 

 

 

Rita Taborda Duarte, in Leitura Gulbenkian

 

 





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