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A viagem não podia ter começado melhor. Na ligação em Barajas, Madrid, por completo acaso, encontrei o Fernando Ribeiro. Ele a voltar a Lisboa, eu a chegar de lá. Se tivéssemos combinado, não teria corrido melhor. Um quarto de hora de conversa que me deu ânimo para as quase catorze horas de viagem até Santiago.
A chegada ao Chile foi excelente. Estava mesmo a precisar destes dias de Primavera. Fui recebido por um dia luminoso, a transbordar de optimismo e sorrisos. Um verdadeiro privilégio.
Os ossos ainda procuravam o seu lugar habitual, mas a energia foi reposta com uma parrillada. Depois, fui visitar La Chascona - a casa de Pablo Neruda em Santiago do Chile - e subi ao Cerro de Santa Lucía.
Após um descanso breve, dirigi-me para a Casa de la Cultura Anselmo Cádiz, na Municipalidad de El Bosque, onde fiz uma leitura de poemas em português e em tradução espanhola (uma escolha dos meus três livros de poesia). Foi um bom momento, partilhado com vários jovens que participaram numa oficina de poesia recentemente levada a cabo nesse centro cultural, e que também leram. Aqui vos deixo a tradução portuguesa (feita por Yaremí Lopez) dos seus poemas:
CHUVA ANTIGA FORA
Vou cruzando com o meu pai de bicicleta
uma rua interminável;
metade pedras, metade lembrança.
Ele pedala contra o vento
e a água golpeia-nos, azul na cara
até hoje.
de Marco Antonio Ravanales
***
Enquanto Nick Drake toca
na minha rádio
penso na ironia de cada vida.
Ele agora é aclamado,
mas vivo embalou-se no esquecimento.
Amam-nos quando não importa.
Pelo menos a nós.
de Gilda Castillo
***
GOLPE A GOLO
As minhas ruas reflectem-se
naquela bola
que circula de pé em pé.
Quando a casa ainda não atingia
a puberdade das minhas raízes,
Aquelas que eram livres
quando as vozes anteriores
interrompiam a minha tarefa inerte
e com a bola de plástico
dançávamos à volta de
quatro pedras.
Sem saber que o Maradona
se convertiria
na segunda mão de Deus
e dois anos mais tarde
Marco Van Basten
ia aniquilar
as portas de São Pedro
A juventude
acaba no minuto 90.
de Fernando Arancibia
***
REFLEXO
Cansado de acreditar
deixou mergulhar o seu cabelo
nas águas do esquecimento.
Assim nada seria imprescindível.
Nada poderia amarrá-la.
Cansado de não acreditar
deixou mergulhar o seu cabelo
nas águas da lembrança.
Assim tudo seria imprescindível.
Tudo poderia amarrá-lo.
Ambos se viram
desde cada lado.
Ela sorriu
Ele deixou cair uma lágrima.
de Felipe De los Rios
***
MEU AMIGO O ESQUISITO
Hoje quarta-feira falaste-me dos domingos:
Disseste que tinham o poder de impulsionar-te
a fazer coisas novas
mas que, ao mesmo tempo,
te provocavam tristeza.
Dispomo-nos a ver o segundo filme
e inquietas-te,
pões-te de pé e dizes-me
que tanta vontade de a ver não tens,
porque deixa mal o Lenine,
que fica para outra noite
que esta noite te chama
e vais-te embora...
de Fabiola Salazar
***
Sei que vens por mim
porque estou vestida
para o teu encontro
núa
como espero
a chegada de um verso.
de Claudia Roubaud
***
Agora, apesar do jet lag, chega a hora de tentar dormir. Amanhã, terei a primeira apresentação do livro "A distância entre a pele e a tatuagem" (edição apenas no Chile) de manhã e um debate sobre "O Texto Literário e o Processo de Tradução" à tarde.
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